04/12/2025

STJ nega tributação sobre crédito presumido de ICMS

Por: Marcela Villar
Fonte: Valor Econômico
Empresas conseguiram afastar, no Superior Tribunal de Justiça (STJ), a
tributação de crédito presumido de ICMS, tipo de benefício fiscal dado
pelos Estados. Em duas decisões, os ministros Gurgel de Faria e Teodoro Silva
Santos entenderam que esses valores devem ser excluídos do cálculo do
Imposto de Renda (IRPJ) e da CSLL, mesmo após a entrada em vigor da nova
Lei de Subvenções, a nº 14.789, de 2023. A Fazenda Nacional vai recorrer.
Essas são as primeiras manifestações do STJ sobre a nova legislação. A partir
dela, o governo passou a tributar, desde 2024, todas as categorias de benefícios
fiscais e permitiu que os contribuintes apurassem crédito fiscal ao invés de
excluir da base de cálculo.
O tema é relevante para a União. Ao propor a Medida Provisória (MP) nº
1.185/2023, que antecedeu a lei, o governo previu aumento de R$ 35,4 bilhões
na receita anual - depois reduziu para R$ 26,3 bilhões. O assunto ainda
motivou a publicação de instruções normativas pela Receita e três soluções de
consulta que, na visão de advogados, trouxeram novas limitações. As normas
dizem expressamente que a jurisprudência do STJ não se aplica para o crédito
presumido.
As primeiras decisões da Corte, porém, dizem o contrário. Para dois ministros,
da 1ª e 2ª Turmas, os precedentes do STJ prevalecem sobre a nova legislação.
Isso porque as decisões que afastam a tributação sobre o crédito presumido se
baseiam na violação do pacto federativo, um fundamento constitucional que
uma lei não pode alterar.
Eles citam julgamento de 2017 em que a 1ª Seção afastou a tributação desse
benefício por entender que a União não poderia se apropriar de valores cedidos
pelos Estados (EREsp 1517492). Esse entendimento não foi estendido aos
demais incentivos fiscais - redução de base de cálculo, alíquota ou isenção. Para
os outros tipos, devem ser cumpridos os requisitos do artigo 30 da Lei nº
12.973, de 2014, para afastar a cobrança (Tema 1182).
O ministro Gurgel de Faria lembrou de outra decisão da 1ª Seção, de 2021, que
analisou a superveniência da Lei Complementar nº 160/2017. Ela alterou a lei
de 2014 e tratou os incentivos estaduais como subvenção para investimento.
Nesse julgado, os ministros definiram que o acórdão de 2021 “não tem o
condão de alterar o entendimento desta Corte de que a tributação federal do
crédito presumido de ICMS representa violação do princípio federativo”
(EREsp 1528697).
“Fica nítido, pois, que o fundamento jurídico sustentado pelo Superior Tribunal
de Justiça, para não incidência de IRPJ e CSLL sobre o crédito presumido de
ICMS, consiste na proteção do pacto federativo e não no disposto no artigo 30
da Lei nº 12.973/2014, de modo que a sua revogação por meio da Lei nº
14.789/2023 não tem o condão de alterar a conclusão a que chegou esta Corte”,
diz Faria (REsp 2202266).
Ele acolheu o recurso da empresa Andreetta, de concreto e mineração. Ela havia
recorrido de decisão do Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), que
havia limitado a exclusão do crédito presumido à 31 de dezembro de 2023. Mas
o ministro relator no STJ afastou essa restrição, seguindo parecer do Ministério
Público Federal (MPF).
A tributarista Thaize Tamaio, sócia do Maran, Gehlen & Advogados, que atuou
no caso, diz que a Lei nº 14.789 não altera o entendimento do STJ. “Não
importa se vem uma nova lei ordinária ou até uma lei complementar, isso não
interfere, porque a fundamentação do STJ consiste exatamente na proteção do
pacto federativo”, diz.
A advogada afirma que as empresas com decisões definitivas sobre o tema,
mesmo antes da lei, não precisariam entrar com novo processo, pois o
fundamento legal não mudou. Mas como muitas têm receio da cobrança e o
entendimento da Receita é contrário, ela tem adotado essa estratégia. “Por
garantia, a gente pede que seja reconhecida a extensão do trânsito em julgado”,
diz.
No outro caso julgado pelo STJ, a concessionária de veículos Santa Clara
buscava afastar a tributação de todos os tipos de benefício fiscal, mas o ministro
Teodoro da Silva Santos manteve decisão do TRF-4 que só acatou pedido para
o crédito presumido. Na visão do relator, a nova Lei de Subvenções “não incide
sobre o tratamento dos créditos presumidos de ICMS” (REsp 2975719).
“Permanece hígido o entendimento consolidado da 1ª Seção do Superior
Tribunal de Justiça de que ‘não é possível a inclusão de créditos presumidos de
ICMS na base de cálculo do IRPJ e da CSLL’”, afirma ele, ao negar o recurso
da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN).
Gleison Schütz, sócio do Machado Schütz Advogados Associados, que
representou a empresa, diz que vai recorrer para que a decisão abarque todas as
subvenções. “Consideramos a decisão absurda, porque não reconhece a
exclusão para os outros incentivos”, diz o advogado, que moveu a ação em 2020
para discutir a exclusão no âmbito da LC nº 160/2017.
“O TRF entendeu que não foram cumpridos os requisitos da lei, mas a empresa
constituiu reserva de lucros e a identificação dos requisitos ficaria a critério da
administração pública fiscalizar ou não, não se daria em um mandado de
segurança”, acrescenta. Sobre a nova Lei de Subvenções, a considera
inconstitucional.
Em nota ao Valor, a PFGN diz que “o substrato legal vigente” da decisão de
2017 do STJ “já não subsiste, em razão das alterações legislativas que se
seguiram”. “A violação ao pacto federativo é matéria constitucional a ser
apreciada pelo Supremo Tribunal Federal, razão pela qual recorrerá das decisões
que contrariem esta premissa”, afirma.
Para a tributarista Maria Andréia dos Santos, sócia do Sanmahe Advogados, o
entendimento dos ministros é correto. “Ambas as decisões consideraram que o
mesmo fundamento legal que existia para se reconhecer que o crédito
presumido não poderia ser tributado é constitucional”, diz. “Esse fundamento
permanece válido e a nova lei não teria possibilidade de revogar o pacto
federativo”, acrescenta.
Ela chama a atenção que os ministros afastam qualquer limitação temporal e as
decisões se aplicam até para casos anteriores à vigência da nova lei. Mas o ideal,
orienta, é ingressar com uma ação específica para discutir a nova lei. “Por
cautela, a gente sempre recomenda que ajuíze uma nova ação para não dar
margem para a União alegar que aquela ação tem eficácia limitada no tempo”,
afirma.
A advogada cita outra decisão do STJ, do ministro Sérgio Kukina, que não
conheceu recurso da Fazenda (REsp 2223297). Ela queria limitar decisão do
TRF-4 para só permitir a exclusão do crédito presumido até dezembro de 2023.
“Se fosse muito claro que está limitado o direito, a PGFN não precisaria ter
recorrido para fazer isso constar claramente.”